quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A IDA DA IMAGEM DE SÃO PAULO À POVOAÇÃO NO CENTENÁRIO DA IGREJA MATRIZ - 1956


No dia trinta de Setembro do corrente ano comemorou a Vila da Povoação a data do primeiro centenário da sua muito linda e rica Igreja Matriz. Templo magnífico que neste dia ostentava as suas mais vistosas alfaias e que depois de restaurado ficou a dever toda a sua beleza ao respectivo Vigário e Ouvidor o Rev. Padre João Maurício de Amaral Ferreira.
A Ribeira Quente também tomou parte activa nesta grandiosa festividade, que certamente durará por muitos anos na memória das gerações presentes e na imaginação das que lhes sucederem, por tal lhes terem relatado.
Amanheceu o dia trinta, sombrio, chuvoso e rajadas de vento muito fresco do quadrante lés-sudeste.
Logo manhã cedo já no porto desta localidade havia grande azáfama entre os marítimos que engalanavam vistosamente as respectivas embarcações. Ranchos de forasteiros, a despeito da chuva miudinha e continuada, largavam em debandada para a Povoação. Com efeito a Capitania do porto não autorizara a ida de pessoas sem que estas possuíssem cédula marítima. Após a missa da manhã largou a imagem veneranda do nosso Padroeiro São Paulo a caminho do porto, onde aguardava grande multidão e o barco que a transportaria até à Povoação. Foi este escolhido por sorteio e que veio a cair no barco do falecido Manuel Louro e tendo como arrais próprio António do Rego. Lá fora na baía o mar estava revolto e nela unicamente se encontravam ancorados os barcos a motor das companhias Lory e João Carreiro, e que eram ao todo cinco, todos do comando de arrais desta freguesia. Após a missa do dia, eram então cerca de onze horas, o mar acalmou um tanto e nessa ocasião recebia eu chamada telefónica do muito Reverendo Ouvidor, que apesar do enorme trabalho que o rodeava, ainda queria inteirar-se do que por cá sucedia. resolvemos saber das condições do mar da Povoação, porque daqui, mal a imagem de São Paulo ao sair da residência do senhor Abel Inácio e que vinha lindíssima, afim de ser colocada no barco escolhido para tal, os homens do mar, num como que grito uníssono exclamaram "Vamos embora, ala barcos à água!" E imediatamente uns após outros lá galgaram as ondas rendilhadas de espuma, rompendo as águas marinhas, que em cachões lhes lavavam os leitos da proa e encharcavam as tilhas.
Começaram a atracar os barcos da pesca aos outros motorizados que se encontravam fundeados na baía.
Era lindo e digno de registo o espectáculo que a nossos olhos se oferecia. Em terra aproximava-se do mar o barco transporte da imagem do nosso Padroeiro. A multidão comprimia-se, e em toda a faixa litoral completamente apinhada de gente, milhares de lenços, como garças de alvor arminho adegando sem cessar; viam-se lenços de todos acenando adeus ao seu padroeiro, enquanto que marejados de lágrimas os velhos saudosos dos que ficavam, e de comoção inexplicável os dos que partiam. Milhares de foguetes e morteiros estrujiram os ares, na altura em que São Paulo, sem um único respingo do mar, entrou mar adentro, lembrando assim as viagens que outrora fizera em pessoa, afim de "pregar a Jesus O Crucificado."
Hasteada no mastro altaneiro da embarcação que conduzia o Padroeiro, ia a bandeira auri-branca da Igreja Católica. Na mesma embarcação a respectiva tripulação, o Pároco, o seminarista João Jerónimo e os calafates da minúscula embarcação que seguravam o andor de São Paulo. Dada a ordem de marcha pelo pároco, todas as embarcações, em duas grandes indo ao centro, e um pouco para ré, a de São Paulo, descreveram uma curva graciosa ficando a terra primeiro a sotavento e depois a barlavento. De todas as naves da escolta subiam aos ares muitos foguetes e morteiros alguns destes de grande potência. Ao dobrarmos a Ponta do Garajau, já lá ao longe se divisava a enorme massa humana que se postara no litoral da Povoação esperando ansiosamente a nossa chegada.
À maneira que nos fomos aproximando mais e mais se divisava o colorido mitigado das gentes em expectativa na praia. Como íamos um pouco mar adentro, afim de melhor aproar ao vento, todas as caras estavam voltadas para bombordo e lágrimas quentes de alegria rolavam soltas pelas faces vincadas e curtidas destes homens do mar, gente crente, rude como as tempestades, mas simples, desafectados e sinceros. O desembarque foi maravilhoso e sem novidade. A Procissão na Vila da Povoação o mais imponente que podemos imaginar. O Reverendo Ouvidor radiante, o tempo, associando-se a toda esta festividade, amainou o vento, o sol brilhou e o mar serenou, quis assim com esta orquestra de elementos naturais dar a sua quota parte a esta celebração memorável.
Às vinte e três horas, ou vulgarmente dizendo, às onze horas da noite, estávamos de regresso à nossa Paróquia.
São Paulo, dizia-nos com graça o Ex.mo Governador Civil deste Distrito, senhor Dr. Carlos de Paiva, "FOI O SANTO DO DIA." E com efeito por toda a parte atraía para o seu andor os olhares dos fiéis, e sobretudo a curiosidade das criancinhas embevecidas, ao verem os apetrechos de pesca em miniatura, que se encontravam no barquinho do seu andor. Uma banda de música acompanhou-nos até ao cais. A multidão de novo nos acompanhou e sempre as mesmas lágrimas, a mesma fé e as mesmas cenas comoventes à roda da veneranda imagem do nosso querido São Paulo. O barco vai entrar na água, e o povo, na sua fé para com São Paulo, deseja uma recordação... de São paulo. Arrancam-lhe as flores do andor, as pedras e a areia que o enfeitam regionalmente. Todos querem uma lembrança e todos querem vê-lo e tocar-lhe com objectos, tais como terços, medalhas, etc.
A baía da Povoação é agora um mar de luzes. Os barcos a motor acendem os faróis eléctricos indicativos da navegação, verde-rubros, e os da pesca levantam à borda os seus de petromax. De novo a mesma formação, mas a encoberto da noite, muitos dos forasteiros idos por terra, saltam para as naves e enquanto de terra se espalham pela praia os sons de cânticos à Virgem, do mar as vozes graves, predominando os marítimos que espalham pelo ar os acordes do Hino de São Paulo.
Apesar de extenuado e não obstante a hora já avançada da noite, o Reverendo Ouvidor, incansável, presente em toda a parte, ora dando ordens, ora cantando com a multidão, é o último a dizer-nos adeus e a desejar-nos Boa Viagem.
O percurso até ao nosso porto foi o melhor que poderíamos desejar e uma vez mais os filhos da Ribeira Quente estão àquela mesma hora da noite todos à espera do seu Padroeiro. Na praia não cabe mais ninguém e todos empunham velas acesas nas mãos. O desembarque foi muito feliz, mas moroso. Todos estão cansados mas muito contentes. Organizada a procissão vem São Paulo entre luzes e cânticos para a sua Igreja que foi desta feita pequena de mais para conter a multidão. Acção de graças, cânticos a plenos pulmões e Benção do Santíssimo. Eis o epílogo desta Festa que jamais os filhos desta minha terra e eu olvidaremos. L. D. V. M.

São Paulo da Ribeira Quente, 1 de Outubro de 1956

O Vigário Ecónomo
Padre Antero Jacinto de Melo

ANO DE 1960 - PRECES À SENHORA DE FÁTIMA A 13 DE OUTUBRO


De harmonia com a carta pastoral que o actual Bispo de Leiria dirigiu a todos os bispos do mundo e em obediência a D. Manuel Afonso de Carvalho que pediu que em cada paróquia fossem feitas preces à Senhora de Fátima com confissões, comunhões e uma Hora Santa na noite de 12 para 13 de Outubro de 1960, resolveu-se solenizar essa data com três dias de preparação com confissões, uma procissão de velas na noite de 12 para 13 de Outubro seguida de Hora Santa. Foi grande a afluência e entusiasmo dos fieis que calorosamente cantaram e pediram à Senhora pela paz do mundo.
Aqui fica arquivado para contestar a fé dos presentes à Senhora de Fátima e a adesão ao seu actual prelado, D. Manuel Afonso de Carvalho.

Ribeira Quente e Arquivo Paroquial, aos 14 de Outubro de 1960

O Pároco
Padre Silvino Amaral

ANO DE 1959 - VISITA PASTORAL DE D. MANUEL AFONSO DE CARVALHO

É com o mais vivo reconhecimento que agradecemos a apoteótica homenagem que Ribeira Quente nos quis prestar. Realmente é uma terra onde há fogo, onde a fé está bem ardente. Tudo se encontra na melhor ordem e pedimos ao Divino Espírito Santo que sempre nos ilumina, vivifica e ampara, que habite nas nossas almas e nos acompanhe através da nossa existência.
Deixamos uma benção especial, penhor das bençãos divinas, dum modo particular, para os bons marítimos, pedindo que nunca nos esqueçam nas suas orações, quando se dedicam á faina da pesca.
Parabéns ao bom povo da Ribeira Quente e felicidades ao Reverendo Vigário, Padre Antero Jacinto de Melo, pelos êxitos obtidos.

Ribeira Quente, 16 de Março de 1959
Manuel Afonso de Carvalho, Bispo de Angra

- ANO DE 1955 - TOMADA DE POSSE DO PADRE ANTERO JACINTO DE MELO COMO PÁROCO DA RIBEIRA QUENTE

Aos catorze dias do mês de Setembro do ano de mil novecentos e cinquenta e cinco tomei posse desta paroquial de São Paulo da Ribeira Quente, lugar da minha naturalidade. Nesta paroquial que ora me foi confiada, fui eu baptizado, nela pela primeira vez subi ao altar do Todo-Poderoso, e nela agora vou continuar como pároco próprio, a acção desenvolvida pelos meus antecessores que, desde o grande Padre Angelo de Amaral até ao Padre José Jacinto da Costa, foram incansáveis no seu engrandecimento espiritual, e até material.
Sei portanto que é árdua a tarefa que me espera, mas confio na protecção do Senhor e na ajuda do meu muito querido padroeiro São Paulo. É difícil ser-se alguém, quando após alguém que o soube ser, e de maneira tão evidente como todos os párocos que por aqui passaram.

"Jesus Coepit Facere et Docere", eis o que Ele de mim exige - primeiro o trabalho e a seguir o ensinar.

"Facere et Docere". Já vim, aqui estou Senhor! E agora... Vou começar.

Ribeira Quente, 14 de Setembro de 1955
Padre Antero Jacinto de Melo

- ANO DE 1955 - COMPRA DO HARMÓNIO E SANEFAS / MUDANÇA DE CLERO

Deve ficar registado neste livro a aquisição de um harmónio fixo, em segunda mão, mas quase novo, que foi comprado ao Vigário de São Pedro de Vila Franca do Campo, Padre Lucindo Teixeira Mendes Andrade, por sete mil escudos (7.000$00). Muito se esforçou para esta aquisição o digno seminarista João Vieira Jerónimo desta freguesia, bem como os elementos da Capela, percorrendo várias vezes os paroquianos e pescadores deste porto, que da melhor vontade deram a sua esmola - bem haja pos a todos.
Também acabou de vestir-se esta Igreja com sanefas nas janelas, bem como cortinas oferecidas pelo senhor José Azeredo e sua esposa, vindos da América. As sanefas importaram na quase totalidade em cinco mil escudos (5.000$00).
Como epílogo tenho a acrescentar que no dia 14 de Setembro de 1955, saí para a Paróquia de Santa Luzia das Feteiras de Ponta Delgada, conforme nomeação feita pelo senhor Bispo Coadjutor D. Manuel Afonso de Carvalho. Para me substituir vem o Padre Antero Jacinto de Melo, natural desta freguesia, ordenado à seis anos e que paroquiava no lugar da Covoada, Concelho de Ponta Delgada. Vou substituir o Padre Carlos Lopes que foi transferido para a freguesia do Raminho da Ilha Terceira e que com agrado pastoreou aquela freguesia das Feteiras durante oito anos. O Padre Laudalino de Sousa Duarte Frazão, cura da Povoação, foi transferido para a Lomba da Maia.
Deus abençoe o bom povo da Ribeira Quente e a mim me ajude a levar a cruz sacerdotal.

Ribeira Quente e Arquivo Paroquial, aos 14 de Setembro de 1955

O Pároco
Padre José Jacinto da Costa

REQUERIMENTO DIRIGIDO AO MINISTRO DO INTERIOR PARA A ELEVAÇÃO DO LUGAR DA RIBEIRA QUENTE A FREGUESIA

Senhor Ministro do Interior,
Excelência

Os abaixo assinados constituindo a maioria absoluta dos chefes de família eleitores neste lugar da Ribeira Quente, freguesia da Mãe de Deus da Vila da Povoação, Distrito de Ponta Delgada e com residência habitual ali, requerem a Vossa Excelência se digne criar uma freguesia neste lugar nos termos do artigo 9º do Código Administrativo e com os fundamentos que passam a expor:

1º- Tem a Ribeira Quente 1768 habitantes pelos resultados provisórios do requerimento de 1940.
2º- Conta obter receita ordinária anual de cerca de 2.000$00, a qual é suficiente para ocorrer aos seus encargos.
3º- Dista da sede de Freguesia (Vila da Povoação) 15 quilómetros e da freguesia mais próxima (Furnas) 8 quilómetros.
4º- Para registos de nascimento e casamentos sofrem os interessados grandes despesas e demoras para irem ao Registo Civil daquela Vila, e tratando-se de óbitos mais dispendiosa e morosa se torna, por isso, quem tem de ir à Vila obter certificado de óbito e às Furnas para chamar o médico assistente para vir verificar o óbito. Além disso é frequente precisar esta população de atestados do Regedor e de certificados da Conservatória do Registo Civil e para isso tem de percorrer trinta quilómetros, ida e volta, com a agravante de não haver carreira de camionetas, nem possibilidade de a estabelecer.
5º- É indispensável haver na Ribeira Quente autoridade judicial, Juiz de paz, além da polícia para manter a ordem, e Casa de Pescadores, visto na Ribeira Quente a maioria dos homens viverem da pesca.
6º- Com a criação desta freguesia não fica a freguesia de origem (Povoação) privada dos recursos indispensáveis à sua manutenção.
7º- Existem neste lugar pessoas aptas ao desempenho das funções administrativas em vigor suficientes para assegurar a renovação da Junta de Freguesia.
8º- Todas as vantagens e comodidades se conseguiriam e os incovenientes, despesas e aborrecimentos desapareceriam com a criação desta Freguesia, que os abaixo assinados confiadamente esperam por ver a sua principal aspiração, que certamente o Estado Novo satisfará atento o interesse que sempre tem tomado pelo bem dos povos e da Nação.
A Bem da Nação.

Ribeira Quente, 18 de Junho de 1941

COMPLEMENTO HISTÓRICO

A Ribeira Quente nasceu de forma identificada, por volta da segunda metade do século 17.
Mas, afinal, quem foram aqueles que formaram a comunidade sedentária deste lugar?
Qualquer tentativa para encontrar esta enigmática origem não pode passar além do campo das suposições, a não ser que, por mero atrevimento ou veleidade, alguém possa tirar algumas ilações daquilo que neste trabalho já foi dito.
O povo desta comunidade, posta de parte a faceta veraneante, surgiu pobre e viveu pobre no percurso da sua história agora largamente contada.
Se entrarmos no campo das suposições, baseando-nos em aparências físico-fisionómicas, podemos dizer que o segundo maior grupo étnico da Ribeira Quente, (os Regos) quer pelo seu moreno escuro, quer pelo seu comportamento e compleição, podiam ter tido algo a ver com os Sousas, Arrudas e Monteiros de Santa Maria; com os Botelhos e Bentos de Vila Franca e Povoação Velha, ou mesmo com os Resendes e Bentos do Faial da Terra.
Mas os PEIXOTOS DA RIBEIRA QUENTE, aquele imenso clã que sempre se identificou com o mar e só com o mar?...
Da compleição física entre o mediano e o alto, de temperamento arrebatado e de abarroada discussão que logo se tornava pacífica, era uma gente muito bonita, tanto homens como mulheres.
Com uma pele sardento-rosa-avermelhada, de olhos de um azul vivo e, muito demarcados de qualquer outro tipo de gente - como aquela que se fixou entre a Relva e a Bretanha, mas que nenhum historiador mencionou ou identificou para não ferir a susceptibilidade histórica - os Peixotos da Ribeira Quente eram prolíferos e bravos no mar.
As mulheres daquele clã eram uma espécie de mulheres guerreira, por vezes de altura desmarcada. Quer no trabalho doméstico, quer no do campo ou outros, pelo seu poder físico chamavam-nas de bestas de carga!
Fundamentalmente, os Peixotos da Ribeira Quente foram o protótipo perfeito de gente nórdica.

EMIGRANTES DA RIBEIRA QUENTE NO HAWAII / 1879 - 1883


Passport Records Index
Immigrants from Ribeira Quente to Hawaii, 1879-1883

Joaquim d'Arruda e sua esposa Maria de Jesus
João de Melo Barbosa
João Cabral e sua esposa Maria Josefa
Francisco Cardoso e sua esposa Ana Joana
Joaquim da Costa
António Jacinto
Manoel Leite e sua esposa Maria José
João Vieira Linhaus e sua esposa Maria Rosa
Manuel Linhares
Maria da Conceição Bonito
Manoel de Medeiros e sua esposa Maria Julia
Francisco de Melo e sua esposa Jacinta de Jesus
Manuel Moniz e Antonia Jacinta
Manuel do Rego e sua esposa Ana Emilia
José de Melo Seradio e sua esposa Rosa Emilia Carlota
João da Silva e Mariana de Jesus, Francisca de Jesus e Maria Rosa

Compiled by Melody Lassalle from the book,"Portuguese Immigrants from Azores to Sandwich Isles, 1879-1883: Passport Index", by Robert DeMello. Honolulu : De Mello Publishing Co.